Alvor-Silves

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Arquitecturas (5)

Num comentário anterior disse que faltaria escrever um Arquitecturas (5), e por isso acrescento este texto. Claro que faltariam muito mais coisas, nomeadamente uma boa indexação, e ainda uma revisão de textos anteriores, adicionando novo material, corrigindo algumas insinuações, etc... Porém, não vejo este trabalho que aqui tive como sendo algo acabado. Convivo bem com os erros, alguns não intencionais, outros nem tanto, e o mais importante é saber justificar as decisões e opções. 
Pouco mais somos do que uma linha de decisões conscientes. Essas decisões podem ser acções ou inacções, mas apenas somos capazes de justificar as que fazemos conscientemente. Do ponto de vista externo, pouco mais se verá que as decisões, e sobre a consciência com que as tomámos, resta-nos uma linguagem ambígua, e uma maior ou menor inibição de revelar o nosso pensamento mais íntimo.
Essa inibição é um resultado da vivência social, e quanto mais inibidora e incompreensiva for a sociedade mais acumulará conhecimento reprimido, escondido num mundo de trevas. Agora, como é óbvio, o conhecimento deve ser informado e enquadrado. O conhecimento não deve servir o propósito contraditório de aniquilar o conhecimento. Da mesma forma que o conhecimento não deve ser negado a quem está em condições de o compreender.

Quem aqui aportar pode cair em frases ou textos soltos que, retirados do contexto, podem levar a interpretações precipitadas. Tratou-se de um estudo pessoal, ziguezagueante, que serve para mostrar dúvidas e incertezas, conceitos e preconceitos. Apesar de cada texto ser razoavelmente autocontido, sofre obviamente do conhecimento circunstancial, ou até do simples estado de espírito, que se foi adaptando, tentando encaixar diversas peças de um imenso puzzle. Também isso é instrutivo.

Interessa-me aqui voltar à questão da cosmogonia, no fim, começando pelo princípio...
Para esse efeito, refiro um mito criacionista chinês, atribuído a Laozi (séc. VI a.C), segundo a tradução disponível na wikipedia:
The Way gave birth to unity, Unity gave birth to duality, Duality gave birth to trinity, Trinity gave birth to the myriad creatures. The myriad creatures bear yin on their back and embrace yang in their bosoms. They neutralize these vapors and thereby achieve harmony.
Este mito procura justificar o aparecimento de tudo, através de um caminho, que pode ser visto no sentido abstracto. É interessante, porque basicamente individualiza a unidade, a dualidade, e a partir da trindade, tudo o resto é consequência.
Podemos ver aqui uma perspectiva de trindade, comum noutras religiões, e mesmo em filosofia, no sentido da percepção cartesiana do "eu", da evidência do "não-eu", e do agrupamento destas duas entidades num conceito maior, eventualmente num "Eu" solipsista, conforme já abordei
Porém, essa visão, que remete o indivíduo para a sua introspecção, é muito própria da filosofia budista, ou ainda mais antiga, do hinduísmo, Veda, ou vedado, entre castidades, castas, árias e párias.

Não faz muito sentido usar analogias de autores que inventam personagens, que se misturam com personagens na sua história, até porque um personagem resistente pode duvidar do autor, e até considerar que o próprio autor não passa de um personagem da sua imaginação... contradições do paradoxo do pensador, porque o pensador não pode conhecer a raiz do seu pensamento.

Passamos pois, para o "vácuo sagrado", como eventual fonte primeva, em qualquer mito criacionista.
O universo intemporal é uma entidade estável e imutável... por definição, por negação do tempo enquanto entidade aniquiladora.
No entanto, ao admitir mudança, surge sempre a questão do que foi antes de ser o que o que é...
Ora, a simples assumpção de inexistência, seguida de existência, define o universo também como a junção desses dois eventos. Passamos do 0 ao 1, definindo o 2 na junção. Será como um shakespeariano "ser ou não ser", a dúvida entre o existir e o não existir, sendo que essa dúvida é já uma terceira nova entidade.
Creio que esta passagem até à trindade é similar ao invocado por Laozi. Bom, e a partir daqui o processo pode repetir-se. Georg Cantor definiu de forma similar a construção dos números naturais.

Porém, enquanto construção puramente abstracta, um simples processo de edificação, resume-se a uma lista de "estados":
 (0): 0
 (1): 1
 (2): 0 1
 (4): 0 1 0 2
 (8): 0 1 0 2 0 2 0 4
(16): 0 1 0 2 0 2 0 4 0 2 0 4 0 4 0 8 
                                                              etc...

Aquilo que vemos é apenas uma sequência numérica, de replicação da estrutura anterior. A estrutura anterior é mantida, e a nova (a negrito) corresponde a uma evolução dessa para o estado seguinte (porque o universo tem que actualizar os conceitos com a nova estrutura). Os números são apenas símbolos que podem ser substituídos pela sua atribuição anterior. Ou seja, é mais rápido escrever 2 do que (01), e mais rápido escrever 4 do que (0102).

Bom, e como se comporta esta sucessão numérica, que emula uma concepção abstracta, de um universo que forçosamente inclui as entidades geradas? A sucessão numérica em causa está directamente ligada a uma representação binária (cf. OEIS), e apesar de poder ser gerada por uma simples linha de programação u = unir(u,2u), começando com u=(0,1), ao fim de algumas repetições torna-se bastante complexa, evidenciando ainda um comportamento fractal.
Podemos mostrar isso num percurso definido por direcções correspondentes aos números obtidos:

esta figura é apenas ilustrativa, mas serve para mostrar a complexidade, imprevisibilidade e não simetria do sistema gerado, ainda que se possam vislumbrar repetições de padrões (fractalidade). Computacionalmente podemo-nos ficar por umas dezenas de repetições, talvez centenas ou milhares, com grandes máquinas... mas tudo isso é nada, porque a estrutura emerge automaticamente, sem limites, pela sua simples definição.
Bom, e do que se compõe a estrutura? Simplesmente de vários estados do mesmo universo. Por isso, cada "partícula" pode ser encarada como um universo num estado mais elementar, e associações mais complexas aparecem em estados posteriores.
Estranho? Não é assim tão estranho, se notarmos que a idealização de uma máquina universal, uma modelação simplificada como sequência de "0" e "1", esteve presente na concepção de Turing.
Tanto poderá ser visto como enigma, como deus ex machina (ou ex mecanica).
Também não será de estranhar, atendendo à própria opinião da escola pitágorica, que encarava o mundo como uma simples manifestação numérica, acrescentando "a vida é como uma sala de espectáculos, entra-se, vê-se e sai-se"... e nesse sentido seria bom evitar a repetição de tragédias.

Importante é também a interrogação no sentido oposto.
Ou seja, assumindo a existência de partes no universo, de que podem elas ser constituídas?
São universos fechados em si mesmos? Então obedecem à própria lógica de um universo.
São outra coisa? Mas o quê, se são obrigatoriamente partes do universo. Só a nossa modelação física nos leva a pensar em constituintes diferentes, vindos sabe-se lá de onde...
Por isso, as partes de um universo, resultam de manifestações do próprio. Também por isso, quando a estrutura ganha consciência pode entender que uma sua parte é um universo fechado em si mesmo (concepção solipsista).
Bom, e como pode uma estrutura abstracta ganhar consciência?
Pode responder-se com outra questão - e como pode uma estrutura física, um corpo humano, ganhar consciência?
Não só. Há algumas pistas não desprezáveis. Não sei, mas creio que na ausência de uma estrutura social, para um indivíduo isolado, não será verosímil a necessidade de uma linguagem. Acaba por ser a linguagem a formatar conceitos no nosso pensamento. A linguagem emerge de uma experiência de vida social, solidifica-se por múltiplas experiências, e pode liquidificar-se mais tarde, com outras...
Como é possível a partir de repetições, de associações, aprender uma linguagem, num cérebro feito de neurónios? Ou seja, a emergência é natural, numa aparente predisposição do cérebro para esse efeito.

Não houve nenhuma evolução especial no sentido de preservar informação por via genética. Há uma parte, que designamos "instintiva", e essa deve ser considerada herdada, e há uma outra parte, que fez aparecer noções ou valores semelhantes, em diferentes culturas, que também pode ser considerada herdada (parcialmente, porque se mistura com a educação).
Porém, o que é mais importante é que a linguagem não se tornou apenas circunstancial, ligada ao que observamos. Tornou-se abstracta, capaz de evidenciar as mesmas conclusões em indivíduos distintos (por exemplo, através da matemática, ou simplesmente em jogos), e capaz de idealizar mundos para além do observado.
Ora, quando as noções abstractas ganham corpo de ciência, para além do homem, como se verifica no caso das noções e conclusões matemáticas, isso indicia que há uma realidade que transcende as habituais concepções físicas, ainda que possa ser inspirada por elas.

Regressando ao modelo de repetição associativa para um universo, convém notar que cada repetição não significa necessariamente um salto temporal... da mesma forma que não se evidenciam ali nenhumas dimensões físicas. A única coisa que se evidencia é sua complexidade emergente, e de como as partes não são mais do que diferentes associações do todo.
Uma coisa é não ter acesso cognitivo ao passado, outra coisa é achar que ele se perdeu irremediavelmente, como se houvesse um "caixote de lixo" temporal.
E se isto é válido para a história, enquanto passado, também é válido para outras incapacidades cognitivas, provavelmente por defeito de evolução na nossa comunicação.

As efémeras certezas acerca das nossas potências podem transformar-se em incertezas face às nossas impotências. Porque as nossas potencialidades surgem-nos como aparentes dádivas, mas nada disso surgiu com certificado vitalício, e maior potencialidade interior resulta de perspectivar adversidades, sem que isso constitua uma negação às actuais faculdades.

14 de Fevereiro de 2013

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Panóptico ou ovo de colon

Há um ponto que ficou por esclarecer naquilo que fui escrevendo até aqui.
Creio que deixei claro que há fortes motivos para suspeitar de uma ocultação que antecedeu o período de descobrimentos, dizendo respeito a todas as descobertas, indo até à Antiguidade, proibindo praticamente contactos entre as civilizações ocidentais e orientais, ou as explorações marítimas.
No entanto, não apresentei qualquer conexão que se impusesse a Oriente e a Ocidente, de forma minimamente semelhante. Por que razão a China e Índia se haveriam de fechar? Se o Budismo foi uma religião que procurou difusão, que obstáculos tão grandes impediriam uma tentativa de propagação a ocidente? Por que razão o Império Romano, durante vários séculos de apogeu, não procuraria entrar em contacto com as zonas orientais, seguindo a rota de Alexandre Magno, pelo menos em direcção à Índia. Afinal, seria esse "descuido" a oriente que levaria os hunos às suas portas, precipitando o fim do império.

Há uns jogos instrutivos na internet, que permitem simular a evolução de um domínio. O utilizador pode começar em igualdade de circunstâncias numa "aldeia" numa "ilha", estabelece algumas alianças locais, mas rapidamente perceberá que nem todos chegaram ao mesmo tempo, e noutras "ilhas" haverá "alianças mais desenvolvidas". Esquecendo as finalidades comerciais, que deturpam as prestações, os novos jogadores são aliciados para fazerem parte de alianças com jogadores mais experientes... e a filosofia rapidamente se torna num "join or die". A pequena ilha que pareceria inicialmente imune a ataques externos, ver-se-à rapidamente envolvida num jogo global entre duas ou três alianças principais, que se formaram no início do jogo. Em casos mais subtis, as alianças, que parecem antagónicas, são controladas pelo mesmo jogador, que garantirá assim a vitória, fazendo jogo duplo, ou triplo, de aparente oposição a si próprio. Aos iniciados, esse tipo de estratégia escapa-lhes por completo, pelo menos até passarem uns meses, ou anos... porque alguns jogos mentais conseguem ser viciantes, e há muita gente entretida no mercado de "realidades" paralelas ou virtuais.

Isto é apenas ilustrativo de como é possível dissimular antagonismos, objectivos, deturpando a imagem que os outros fazem do seu oponente. Um oponente dissimulado é muitíssimo mais difícil de combater, mas por outro lado requer uma sofisticação, uma sólida ligação entre intervenientes, e precisa ainda de um motivo unificador. Num jogo estabelece-se normalmente um objectivo, agora em termos da nossa vivência humana, os pequenos objectivos tendem-se a confundir com objectivos maiores, ou até com a profunda inexistência de objectivo declarado, na existência humana.

É claro que a nossa raiz animal traz alguns objectivos inerentes, que se prendem com a constituição familiar, com a identificação de um parentesco, de um povo... mas quando a civilização começou a ganhar ascendente por via de novas ideias, essas ideias não tinham marca genética. Podem ter sido entendidas assim pela ligação entre o povo e a sua cultura, mas se as culturas não fossem hostis, só períodos de carência levariam a conflitos, a disputas territoriais, onde regressavam os valores de "base animal", ligados à própria sobrevivência.
O esquema agredir-para-não-ser-agredido deve ter-se tornado rapidamente numa real-politik, e as populações destroçadas passaram a ser remetidas para uma condição de escravatura, onde a sua utilização seria semelhante à que os humanos fariam dos restantes animais. Uns seriam tratados como "bestas de carga", outros seriam mais acarinhados... passando a uma figura semelhante à de "animais de estimação".

Um aspecto, que ainda hoje se pratica, é a castração de "animais de estimação". Também é histórica a utilização de eunucos para serviço cortesão. A sua prática atravessou fronteiras, e encontrou especial aplicação a Oriente. Do Egipto, Babilónia, Pérsia, até à China, os eunucos atingiram um estatuto social que lhes permitia ganhar controlo sobre a pirâmide burocrática dos estados. Mas o que os motivaria?
Numa corte que estabelecia linhagem pela descendência familiar, aos eunucos estaria reservado o papel de meros espectadores, mais ou menos empenhados na garantia da descendência dos genes do seu "senhor", que não eram seguramente os seus. Se eles tinham poder, não serviria essa filosofia de carácter reprodutor... provavelmente o seu povo de origem estava escravizado em condições piores.
É fácil à distância dos factos esquecer os sofrimentos envolvidos, mas a nossa História é uma sucessão de dramas, alguns dos quais difíceis de compreender para além da mera barbárie envolvida.

Se haveria humanos receptivos a uma idealização da humanidade, para além do aspecto animal, da reprodução da espécie, é natural que se encontrassem entre os eunucos. Caso constituíssem uma fraternidade, sem fronteiras, ganhariam o poder de aconselhar os soberanos às melhores e piores decisões, consoante a sua estratégia global. E que motivo teriam eles para as fronteiras? Qual seria o seu povo, se lhes negavam descendência?

O texto já está a ficar longo, e ainda mal comecei... este assunto, ainda que hipotético, afigura-se complicado, pela sua verosimilidade, e génese "casual". 
Acontece que alguns estudiosos de Colombo salientaram que o seu nome "Colon" referiria uma afiliação secreta, representada na sua (e noutras) assinaturas com ":", e estas duas bolinhas têm o nome latino de "colon". Da mesma forma que são hoje usados para fazer os olhos de um "smile" :) nada impede que tivessem outro significado... Foi um pouco ao jeito de smile, que escrevi no blog  Delito de Opinião (onde fazem a gentileza de suportar os inconvenientes):
Quer Rosa, não Rosso, que o Cristobal, o Colón das Méricas não seja intestinal, mas sim um par de bolinhas ":" designadas por colon, que representa ainda "membro".
Sendo vulgar que, por castelhanização, o "ll" em Collon se leria de forma inconveniente, não deixo de reparar que Collons não faltaram, para grandes Mericas.
Mas não é dessa coragem organizada em confrarias, aí falo dos outros membros, "pomodoros", em italiano "tomates", essoutros membros que partiram para o jardim das Hespérides em busca das "maçãs de ouro"... e foram longe desencontrar o fruto proibido escondido no laranjal.

Esta prosa tem um contexto casual... e é claro que a partir desta pequena constatação informal, o "colon" ganha outros signicados, inclusivé o do feminino "cola" para cauda (e já dissertei sobre a cola do dragão, ou dra-cola).

Pareceu-me consequente que o símbolo ":" pudesse representar um drama, tal como a crux "+" representa outro. E é claro que se encontram casos particularmente significativos desses dramas.
Um deles é o do adolescente Sporus, ao tempo de Nero, que o apresentou publicamente castrado como sua "noiva", para substituir a mulher, Poppaea Sabina (que Nero tinha morto a pontapé, estando grávida, segundo Suetónio).  Após a morte de Nero, Sporus ficou de novo como escravo sexual de Sabino, Oto, e finalmente suicidou-se, quando Vitélio decidiu humilhá-lo publicamente com a representação da "violação de Perséfone (por Hades)".
Conjectura-se que Poppaea seria uma simpatizante do culto cristão, mas como Sabino tratava Sporus com o mesmo nome da anterior imperatriz, em alusão à substituição por Nero, poderá haver confusão de nomes. 
Parece provável que o sacrifício de Sporus tenha tido impacto na comunidade cristã.
O Evangelho de S. Mateus (19:12) refere esta passagem:
                      "Alguns são eunucos porque nasceram assim; outros foram feitos assim pelos homens; outros ainda fizeram-se eunucos por causa do Reino dos Céus. Quem puder aceitar isso, aceite."

São Mateus é contemporâneo do despotismo de Nero e da tragédia de Sporus. De qualquer forma, a Igreja aceita este evangelho, e a associação dos eunucos ao Reino dos Céus parece ligada a votos de castidade, em particular ao celibato na Igreja. 


Falando no celibato, temos o culto de Cíbele, entendida como equivalente a Raia, a Perséfone, talvez na sua variante mais popular, enquanto deusa-da-terra, a Maia. Os sacerdotes de Cibele eram eunucos, denominados "Galli" ou Galos, de origem "frígia"... e acho que já disse o suficiente sobre o prefixo "Galo", e a sua ligação a toda cultura "celta". Se por um lado os galos anunciam o amanhecer... e há todo um simbolismo com a alvorada. Por outro lado há uma relação a Cale - via, caminho, de onde surge a palavra "Galactica" - ou via láctea, por alterações entre "G" e "C".
Assim, a representação da violação de Perséfone, a ser feita a Sporus, eunuco, tinha uma conotação de perversidade cultural.

Cíbele era entendida como Magna Mater, ou Alma Mater, uma designação que se aplicaria depois à Virgem Maria. Também não deixei de notar que o Papa tem o poder de atribuir a Ordem da Espora Dourada, uma prestigiosa condecoração para a fé Católica, tendo como "patrono" a Virgem Maria.

A "espora" tornou-se um símbolo da cavalaria (também em westerns), e a sua forma de estrela não será acidental. Parece-me ter sido visto algo estelar num "esporo"... numa borboleta esmagada por uma roda, citando Pope, que pareceu ridicularizar Sporus. 

O outro ponto estelar acaba por ser representado literalmente por Ganimedes.

Ganimedes nesta representação com um barrete frígio, sendo a sua origem troiana, terá sido raptado por Júpiter/Zeus, por ser o mais belo de entre os mortais. Tal como os outros satélites de Júpiter, a saber - Io, Europa e Calisto, todos foram vítimas de rapto de Zeus, para atribuições sexuais.
Assim, o maior satélite natural de Júpiter, Ganimedes, foi nomeado desta forma, não porque Galileu quisesse (não quis), mas porque tinha que ser assim. Dessa forma não esquecemos que a potência de Zeus tinha também o seu lado perverso, num desequilíbrio de atribuições que não poderia ser estável.

Há muitos "eus" nesta história, e estão no plural, em "meus", "teus", "seus", "Deus", "Zeus", "Teos", "Céus"... Porquê "eu"? Por que não "eu"?, e raramente se conjuga no plural vendo todos os "Eus", apenas esperando que o outro "eu" também veja o seu "eu".

Voltamos ao "eu nuca", nuca no suporte da cabeça. Ganimedes foi também um eunuco egípcio que ficou famoso por combater Júlio César, sendo a nuca de Ptolomeu XIII e não de Cleópatra. Tempos complicados, em que Crasso cometia o "erro crasso" de crucificar 30 mil escravos na Via Ápia, após a revolta de Spartacus, dando uma outra dimensão para a crux "+", para além da que lhe reconhecemos.

Se a sociedade romana era violenta com os escravos, não usava eunucos, e o caso de Sporus pode ser considerado dentro das excepções a essa castração violenta. Aliás a sociedade romana (tal como a grega) teria costumes sexuais que não tornariam a posição de nenhum eunuco humilhante, o estatuto humilhante seria colocado na escravatura... tendo como escape romano nas Saturnálias, que estão na origem do Carnaval.

A abdicação religiosa de função sexual esteve ligada a esse ritual que remonta a Cibele, e que se liga aos eunucos, dedicados a um projecto social que ultrapassava o mero conceito da reprodução. Essa limitação sexual de uns pode ainda justificar toda a necessidade de ser imposta religiosamente a outros, não por uma mera questão "vingativa", mas para ligar a existência humana a objectivos que ultrapassassem a efemeridade. Por outro lado, convém não esquecer o papel secundário a que foram remetidas as mulheres, consideradas para o objectivo "menor", reprodutor, mais ligadas à sua descendência genética, e talvez consideradas menos aptas para uma visão que ultrapassasse o seio familiar, a que estariam instintivamente mais presas.

Por outro lado, um outro culto primitivo, ligado à terra, é o de Pan, ou Fauno.
A apresentação deste deus, com cornos e pés de cabra, tem uma conotação directa com uma figura popularizada do Diabo, e o quadro "El gran cabron" de Goya representa uma adoração pagã associada a bruxaria. Em português popular não é de desconsiderar o prefixo "pan" associado a "pânico", e as outras terminações  em "ilas", "asca", "eiro"... ainda que a natureza do deus seja mais a da luxúria e não a misogenia. É aliás habitual a sua ligação a Dionísio, ou a Baco, de onde vem a palavra "bacanal" e talvez "baca" (com "v"). Os seus cornos (talvez cifras em chifres) podem ser ligados à cornucópia de Cibele, e também tomam uma ligação a Cronos, não apenas linguística, mas pela sua origem ao panteão remoto. Tal como Zeus, Pan teria sido criado por Amalteia e alimentado da mesma cabra, podendo ser irmão de Arcas, havendo um outro Pan, mais antigo, filho de Cronos. Pelo lado de Arcas, encontramos a sua mãe Calisto, uma das vítimas dos apetites de Zeus, e colocada também como Ursa Maior, enquanto o seu filho Arcas, corresponde à Ursa Menor. 
Há uma ligação comum à Lua, que Pan cortejou, e digamos que uma floresta ao luar será o ambiente que associamos a faunos. Por outro lado, no rabo de peixe, é considerado Capricórnio, talvez devendo  ainda ser associado à figura mítica do centauro.

O prefixo "pan" leva-nos a outras considerações, nomeadamente globais, já que significa "tudo".
Em particular, o sistema "panóptico" desenhado por Bentham no Séc. XVIII para prisões:
foi também considerado por Michel Foucault como um modelo aplicável a outras vigilâncias. A ideia é a de um vigilante que vê todas as celas, sem que os presos se apercebam que estão a ser vigiados. No fundo, uma visão Orwelliana já com alguns séculos, mas que peca por ter apenas um olho, que julga que tudo vê. Estes sistemas são aplicados hoje em dia, e convivemos com eles sem dar por isso... e não será apenas nas câmaras de vigilância, nem só na comunicação da internet, nos telemóveis, ou nas webcameras. É já velho o ditado que diz "as paredes têm ouvidos"... porque apenas conhecemos uma parte da tecnologia que é divulgada. Hoje em dia há máquinas, e micro-máquinas...
Se essa concepção prisional favorece a nossa segurança, admitindo que o vigilante é bem intencionado, deixa-nos também numa fragilidade desconfortante, quando esse vigilante perde a noção dos seus limites éticos. 
Quando a intrusão não é consentida, trata-se de violação... seja ela de Sporus, de Perséfone, ou de Ganimedes, apareça Zeus ou Hades sob forma dissimulada, com pretensos propósitos de amor, que não passam de simples lascívia, escondida sob as cores do arco-íris, e pantominas de pote-de-ouro.

Foi este óvulo que se construiu, não um ovo, não de colombo, mas sim de colon.
No filme de Kubrick, "2001, Odisseia no Espaço", o epílogo é curiosamente uma nova forma de vida, que surge na ida a Júpiter. Há coisas que não são obviamente coincidência, nomeadamente o módulo chamar-se EVA, ou computador chamar-se HAL. O epilogo com uma nova forma de vida, posso entendê-lo, no sentido do "ovo de colon", quando colocado em Ganimedes... funcionando como o resultado final do projecto de gestação social, numa visão primeva de alguém a quem foi suprimida a possibilidade de outra descendência. Agora, o remake com um "2010, ano do contacto", só o consigo ver como sequela fortuita... tal como seria fortuita uma navegação em mar alto sem entender as estrelas, ou desaproveitado o entender as estrelas sem ousar navegar.

As ocultações podem servir um olho, mas comprometem definitivamente a visão de conjunto, remetendo-nos a uma sombra do que somos. Não se trata aqui do que uns sabem e outros não, mas sim do que uns não querem saber, enquanto que os outros caminharão inevitavelmente nesse sentido. Uns presos nos medos, outros movidos por sonhos. O controlo dos medos ou dos sonhos só superficialmente se condiciona. É um paradoxo do próprio julgar que domina o seu pensamento, e quem pensar o contrário, simplesmente não pensou no assunto.