Alvor-Silves

domingo, 9 de setembro de 2012

A Century of War

Neste blog procurei evitar falar sobre o que se passou historicamente nos últimos 100 anos.
Há um excelente livro que faz uma análise pouco convencional do que se passou, e explica com bastante nexo o que se tem passado no último século e meio de hegemonia anglo-americana. Não é um livro que se encontre muito referenciado, e certamente estará ausente da grande distribuição... a mim chegou-me por email amigo (de KT), mas encontra-se o PDF na internet:

Anglo-American Oil Politics and the New World Order (2004)

Como o próprio subtítulo indica, o livro foca a geoestratégia baseada no petróleo, mas vai muito para além disso, explicando as diversas crises financeiras, como foram provocadas, e mais importante - por que razão foram necessárias.

Começa justamente pela Grande Depressão Financeira de 1873, revelando que o problema da especulação financeira é anterior à Depressão de 1928... Ignora-se a anterior porque o seu carácter não afectou o Estados Unidos da mesma forma. Em 1873 o mundo financeiro centrava-se na City de Londres e dava apenas os primeiros passos em Wall Street.

O esquema de controlo baseado numa política financeira global, assente na comercialização das dívidas soberanas, começa a ser desenhado em Londres no Séc. XIX, e irá consolidar-se em Nova Iorque no Séc. XX. É notável o encadeamento estratégico que termina com a ligação da moeda ao ouro. Começa na reunião de Bretton Woods, logo em 1944, dois meses após a rendição alemã. O dólar aparece sobrevalorizado face ao valor de mercado, e o passo final será dado em 1971 quando Nixon decide unilateralmente acabar com a  conversão da moeda em ouro - o chamado Nixon-Shock. Isso permite basicamente aos EUA imprimir dólares livremente... Para assegurar a necessidade dos estados aceitarem dólares (ou seja, dívida americana) seria fundamental a política dos "petro-dólares", ou seja que a negociação do petróleo fosse feita exclusivamente com dólares. Segundo Engdahl, isso justifica toda a política de tensão e controlo do Médio-Oriente.
Entre as diversas notáveis "coincidências", encontra-se a deposição do Xá da Pérsia, Rheza Pahlevi que coincide com o fim do contrato de exploração de petróleo, a vontade de não renovação, e a aposta na energia nuclear.

Engdahl afirma que os movimentos anti-nucleares visavam essencialmente acabar com a política franco-alemã que insistia na independência petrolífera, através das centrais nucleares. A crise petrolífera de 1973, estaria na agenda duma reunião do grupo Bildeberg em Saltsjöbaden, consolidaria o dólar como moeda necessária para o petróleo.
Curiosamente, no decorrer das décadas seguintes, e apesar do sucesso tecnológico que levaria a novas formas de energia, verificou-se a progressiva menorização dessas possibilidades, e apesar de tudo levar a crer que o petróleo teria os dias contados, tal como o carvão teve, o que se passou foi o oposto. Aumentou a dependência energética do petróleo, agora agravada pelo aparecimento das necessidades chinesas e indianas... Até o Brasil, que durante muitos anos enveredou pelo álcool como substituto, vai deixando cair essa ideia quase por completo.

O mais notável no livro é a explicação de como a Alemanha aparece como inimigo principal, quase sucessivamente, durante o Séc. XX. A história começa com a unificação prussiana e a política económica após a crise financeira de 1873, o que leva a Alemanha a tornar-se numa potência capaz de rivalizar navalmente com a Inglaterra. A Entente Cordiale com a França surge dessa necessidade inglesa de parar o desenvolvimento autónomo alemão. O tradicional inimigo inglês passaria a aliado, face ao maior perigo. Engdahl simboliza essa ascensão na construção alemã de uma ferrovia que ligasse Berlim a Bagdad, ou seja permitiria o fluxo de petróleo sem passar pelo Canal do Suez controlado pelos ingleses desde a abertura em 1869.
A entrada dos EUA na 1ª Guerra Mundial faz parte do acordo de cedência de poder inglesa, numa aliança americana, financiada por J. P. Morgan. Os termos dos acordos de Versalhes deixam a Alemanha numa posição de fragilidade absoluta, incapaz de pagar as dívidas de guerra que lhe são assacadas.

A Invasão e Ocupação Francesa do Ruhr entre 1923 e 1925.
Um facto que passa normalmente despercebido é efectiva ocupação da zona industrial alemã do Ruhr, como forma de "cobrar a dívida de guerra", durante a presidência francesa de Poincaré. Durante o processo de ocupação que terminou com 137 civis mortos, as forças francesas e belgas chegaram a registar 100 mil efectivos.
Enterro de 10 vítimas civis na ocupação francesa da Alemanha, em 1923.

Neste contexto, a posterior resposta alemã, na 2ª Guerra Mundial, que leva a uma ocupação parcial da França poderia até ser vista como um contraponto a esta invasão feita 15 anos antes. Os efeitos destruidores do Tratado de Versalhes criaram um sentimento de profunda revolta entre os alemães, praticamente vassalos trabalhadores obrigados a pagar pesadas dívidas de guerra. Uma política de endividamento iniciada com os ingleses e que se consolida com os americanos. Porém, como sabemos, para Hitler a causa do problema internacional tinha origem judaica - basta ler o Testamento de Hitler.

Essas ideias surgiam de vários lados, e convém não esquecer que na própria Inglaterra se desenvolveu um movimento nacionalista, que colhia a simpatia do Rei Eduardo VIII, que foi forçado a abdicar por motivo secundário de "casamento com divorciada". 
No contexto conturbado que antecedeu a 2ª Guerra Mundial é ainda interessante citar Julius Evola sobre os Protocolos de Sião:
"Whether or not the controversial Protocols of the Learned Elders of Zion are false or authentic does not affect the symptomatic value of the document in question, that is, the fact, that many of the things that have occurred in modern times, having taken place after their publication, effectively agree with the plans assumed in that document, perhaps more than a superficial observer might believe"
Pós-Guerra
Engdahl vai mais longe e constata que a tensão alemã se reacende no pós-guerra. Pelo entendimento franco-alemão que leva à construção da União Europeia e pela autonomia nuclear, mas especialmente pelo entendimento que Gorbashev se preparava para firmar com a Alemanha de Kohl (segundo Engdahl, os ingleses teriam afirmado que Helmut Kohl se afigurava como um novo Hitler - talvez lembrando o acordo com Stalin que antecedeu a 2ª Guerra Mundial).
Em troca da reunificação alemã, da queda do muro de Berlim, Gorbashev pedia o apoio económico alemão face à débil economia russa. Por isso, tornava-se um imperioso anglo-americano favorecer a sua queda, e Ieltsin acabou por favorecer esse propósito. A ideia de ajuda alemã à Rússia caía por terra, caindo também a ameaça soviética, rapidamente invadida com a maquinaria especulativa, propícia à corrupção que destruiu o frágil sistema comunista.

O livro de Engdahl apresenta muitas coincidências, entre mortes acidentais e por atentados, nomeadamente na Alemanha e Itália, afinal os dois elementos europeus do Eixo, onde actuavam grupos terroristas políticos (Baader Meinhoff e Brigadas Vermelhas).
Um outro factor interessante é o desenvolvimento de uma mentalidade Malthusiana tendo em vista a escassez de recursos. Como Engdahl constata, o próprio anúncio ter sido feito por Malthus há 200 anos não mostra um visionário, mas mostra sim como estava errado. A população cresceu exponencialmente e os recursos não acabaram porque a tecnologia permitiu esse desenvolvimento para aumento de recursos.

Ligação
O livro de Engdahl começa basicamente onde eu tinha acabado de escrever... ou seja, começa com a efectivação de um colonialismo financeiro, centrado na actividade bolsista de Londres e Nova Iorque, e termina com o surgimento dos "braços armados" que são as instituições financeiras internacionais, em particular o FMI. 
Subjacente está uma necessidade de envolvimento num comércio mundial que torne todas as nações dependentes pelas dívidas contraídas. Os actores são facilmente manipuláveis em frágeis democracias onde a opinião pública é controlada pelos meios de comunicação. O controlo desses meios de comunicação, nomeadamente das televisões e agências noticiosas é fulcral...

Engdahl mostra ainda uma solução que foi encontrada para abalar as novas economias asiáticas, que estavam praticamente ausentes da pressão das dívidas internacionais. Uma solução é justamente a imposição de abrir o mercado e permitir a especulação sobre os valores imobiliários. Os especuladores começam a comprar fazendo disparar os preços, o que provoca uma necessidade de crédito dos bancos locais... esses bancos ficam endividados para satisfazer o crédito exigido pela população. Depois, os investidores vendem, retirando o devido lucro, e ao mesmo tempo passam a controlar os bancos locais pelas dívidas contraídas internacionalmente.

A questão que fica é simples... Engdahl denuncia esta estratégia recente como um plano de dominação anglo-americano sediado num poder financeiro, mas nós fomos uns séculos... uns milénios mais atrás, e vimos um fio condutor. Se a estratégia de domínio financeiro parece ser uma novidade, não parece ser novidade a sua coordenação a nível internacional, sem dissensões, encobrindo factos passados e refazendo o futuro. Do ponto de vista comercial começou com as Companhias das Índias, mas já muito antes passava por um fechar de fronteiras, por uma ocultação propositada de territórios.

Não passa pela cabeça de ninguém acreditar que um imperador romano como Augusto não se preocupasse em saber o que se passava para além do Mare Nostrum, do Mediterrâneo, que controlava. O mesmo aconteceria com os imperadores chineses... a necessidade de conhecimento exterior só seria limitada pela sua capacidade de exploração, e essa capacidade de exploração permitiu desde sempre aventuras marítimas. Se não foram divulgadas, se foram ocultadas coordenadamente, isso apenas se poderia dever a um entendimento internacional que ultrapassaria as fronteiras e poderes dos reinos individuais. Por isso, o domínio anglo-americano parece-nos ser apenas um manifestação recente de um poder antigo....