segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

dos Comentários (19) - ibn Eriq & Oriq

Houve recentemente uma série de comentários a propósito de Viriato e Afonso Henriques, dois símbolos de fundação e refundação de nacionalidade, trocados com João Ribeiro.

Viriato e a Serra da Estrela
Sobre Viriato, tratava-se do mito da Ribeira de Lucefecit e da Serra de Ossa, ligada a uma grande batalha. Entre diversos livros citados, permito-me destacar
que questiona o próprio mito "da serra estar cheia de ossos", mas ao mesmo tempo abrindo espaço para outras questões... como a destruição de um grande dolmen, que estava no interior do convento, e sobretudo a existência de grandes cavernas, que poderiam albergar exércitos. Não tive tempo de ler toda a obra, mas é certamente material que merece devida atenção.

No final, creio que ambos concordámos que se mantém estranho o desaparecimento dos Cónios, logo após a queda de Cartago e a entrada em cena do Viriato mais famoso (há outro mais antigo), e que a sua nomeação como "amigo de Roma", depois de pretensamente ter chacinado o seu exército, foi facto extraordinário na política Romana.

Mas sobre isto apenas quero acrescentar uma imagem da Serra da Estrela, que encontrei então, por acaso, e que me deixou "sem palavras", e que dificilmente conseguiria enquadrar noutro texto:
Foto de José Esteves Pereira - Covilhã - 2º Classificado
(in Boletim Municipal Nº 18 - 2001 - Contra capa - XV Concurso Foto de Manteigas)

http://www.joraga.net/serradaestrela/pags/21pedrasAlbum.htm (o link pode já não estar activo)
O site joraga.net (de José Rabaça Gaspar) coloca o tema como "PEDRAS da SERRA - AS FORMAS DAS ROCHAS ou ROCHAS de FORMAS CAPRICHOSAS - Colossais Esculturas de Granito Fascinantes... Umas mãos que apertam possivelmente barro no acto da criação... ou um braço quebrado de monumental estátua.

E não é dito mais nada... procurei outros registos para perceber o local da Serra da Estrela onde se encontra tal "prodígio natural", mas sem sucesso. Este foi o único ponto de informação e localização da imagem. Hoje em dia, seria natural pensar em Photoshop, mas sendo de 2001 e de um concurso de fotografia regional, será claro que existe mesmo... ou existiu, porque o mesmo joraga.net reportava - «Camelo: No lugar do Poço do Inferno, esta obra da Natureza, foi destruída, nas fúrias pós 25 de Abril de 1974 !!!» 
Portanto, toda a gente conhece a "Cabeça da Velha", mas ali se reportavam 2 cabeças de velha, 2 cabeças de velho, e 1 cabeça de velhos - todos diferentes, entre muitos outros.

Aproveito a ocasião, para dar uma opinião acerca destas formações.
Creio que os Turdulos Velhos, que habitavam entre o Tejo e o Douro, eram os herdeiros naturais da catástrofe atlântica que se abateu à sua frente, com o aumento do nível das águas. Deles é dito, por Estrabão, que tinham escrita há 6 mil anos, ou seja, cerca de 6 mil anos antes de Cristo... o que antecederia largamente (pelo dobro) qualquer outro registo escrito conhecido. 

Desde essa catástrofe, e também por razão de sucessivas guerras, apagamento do registo dos vencidos pelos vencedores, etc... é muito natural que tivessem concluído ser inútil evidenciarem-se (tal como o posto de pistoleiro mais rápido do Oeste, era um posto desgastante que atraía a efemeridade, pela natural cobiça de competidores). 
Assim, numa primitiva atitude budista, parece natural que ao invés de erguerem monumentos, simplesmente dirigiam a sua atenção para locais onde as próprias formações naturais constituíam um monumento, oferecendo dúvida ao visitante se seriam ou não de construção humana.

Bernardo Brito falava numa rocha no ponto mais alto da Serra, cujo topo seria em forma de Estrela, e isso seria a razão do nome dado à Serra da Estrela... foi assim que andei à procura de uma rocha em "forma de estrela", e a única estrelinha foi dar com "aquelas mãos".

Na descendência desses Túrdulos Velhos estavam outros túrdulos, ou Turdetanos - uns no Alentejo e Algarve, também chamados Cónios, e outros na Andaluzia, chamados Tartéssios.
Ou seja, a política dos Túrdulos Velhos terá sido passarem despercebidos, manipulando nos bastidores, tanto quanto possível, os restantes povos vizinhos... e não só.

Damião de Castro fala ainda em "chacinas" feitas pelo romanos de Galba em Campo de Ourique... o que nos leva ao tópico seguinte.

Afonso Henriques (ibn Eriq) e Ourique (Oriq)
A localização da batalha de Ourique deu origem à hipótese de se poder tratar de uma invasão naval, feita subindo o rio Mira, o que daria ainda sentido à lenda do nome de Odemira: «Ode, mira para os inimigos, donde vêm sobre nós».
João Ribeiro fez muito bem em obstar sucessivamente a essa hipótese, dizendo, por exemplo:
"Onde passaria ele o Rio Tejo?" Em qualquer lado onde fosse possível a passagem, Almourol por exemplo."Usaria as barcaças de quem?" As existentes no local. Não me parece um factor impeditivo de nada até porque facilmente se pode construir jangadas para a passagem. "Quanto tempo precisaria para chegar a Ourique, e como não defrontaria ninguém até lá?" O tempo necessário e terá havido confrontações pelo caminho, simplesmente não são mencionadas porque terão sido de pouca monta. Aliás sem essas pequenas conquistas seria impossível a empresa por falta de mantimentos. Tudo isto é muito relativo e subjectivo. Poderá ter sido a grande campanha de D. Afonso Henriques. Uma campanha articulada por terra/mar/rio. Aproveitando as dissidências entre líderes das várias praças mouras e com tratos com outros chegou a Ourique onde se travou apenas mais uma das batalhas da campanha. Não foram 5 Reis que derrotou mas provavelmente 5 governadores ou algum tipo de líderes mouros. Não se sabe o local exacto da batalha porque foram vários.
Acontece que Bernardo Brito dá uma sustentação a essa teoria de penetração terrestre:
Chegado pois o mês de Julho do ano do Senhor de 1139 partiu com suas bandeiras soltas & as esquadras postas em som de guerra, nas quais iam por todos doze mil infantes e mil ginetes, poucos em número, mas invencíveis nos esforços & brio; com esta ordem, passou o Príncipe as águas do formoso rio Teijo, sendo o primeiro que com ânimo de conquistar mouros passou, depois que foi deles ganhada a terra que ele divide da outra que chamamos Beyra. Com grande trabalho de sua gente atravessou o Príncipe as solitárias charnecas que na terra havia & há hoje em dia desprovidas de toda a recordação a quem por elas caminha.
Do ponto de vista logístico, ainda me parece complicado ter uma grande força militar encurralada no meio de território inimigo, mas a menção às "charnecas" dá uma outra pista para as tropas correrem.
Porque "charneca" mantém no Brasil o significado de terreno pantanoso, alagado, e isso poderia corresponder a uma deslocação ao longo de margens do Tejo que antes penetravam no Alentejo... chegando quase até Ourique, pela sua continuação pelos terrenos antes alagados pelo Sado.

O que me parece algo mais difícil de sustentar é que se tratou apenas de uma incursão ocasional, do tipo "fossado", conforme é também considerado:
A tese do fossado também pode explicar o registo meramente informativo da primeira notícia que se conhece sobre a Batalha de Ourique, incluída no Livro de Noa I, ou Chronicon Conimbricense, escrito no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra pouco depois de 1168, ainda durante o reinado de Afonso Henriques. Notícia que se repete literalmente no Chronicon Lamacense, manuscrito da Sé de Lamego copiado já no século XIII mas a partir de um texto do século anterior, contemporâneo do Livro de Noa. Esses dois textos limitam-se a indicar a data e o local da batalha e o nome do rei mouro posto em fuga: Ismário e Examare, variantes de Esmar que, por sua vez, derivará de Ismael, o primogénito de Abraão e “pai” da raça islâmica. O mesmo nome é dado na Crónica dos Godos ao chefe mouro e irá perdurar, com ligeiras variações, nas ulteriores narrativas da Batalha de Ourique, apesar de não ser referido nas crónicas árabes, o que leva a supor tratar-se de um nome simbólico. Apesar da sua concisão informativa, os dois relatos não deixam de referir-se a Ourique como um combate ou mesmo uma grande batalha (prelium e lis magna), iniciando-se assim o engrandecimento deste efabulado confronto entre cristãos e islâmicos que, volvidos poucos anos e ainda em vida do seu protagonista, será exaltado como um grande feito bélico na Crónica dos Godos, escrita em Santa Cruz de Coimbra pouco depois de 1184.
de Vitor Manuel Adrião (2015) Ourique: a batalha impossível

O texto que acabamos de citar remete para a "teoria clássica", e eu apenas deixaria uma nota adicional a este propósito. O cronista Duarte Galvão refere que Egas Moniz morre no decurso desta incursão, quase no seu início, antes de qualquer passagem do Tejo. 
Nesse caso não teria sido apenas uma incursão bélica, de combatentes experimentados.
Nesse caso, isso revelaria sim, uma grande aceitação pela população que vivia sob controlo mouro, que forneceria a D. Afonso Henriques todo o apoio logístico necessário a tal deslocação. Ou seja, o "território inimigo", era já notado como "território amigo". Ou seja, seria mais esse sentimento de aceitação popular que lhe permitiria ser rei por direito próprio, do que por direito outorgado por Roma.
O facto notável de D. Afonso Henriques será esse congregar de uma nacionalidade antiga, que impediu que tentativas mouras posteriores, de recuperar o antigo território dos Túrdulos, tivessem sucesso. Tirando um cerco a Santarém, nunca mais o território acima do Tejo foi incomodado... algo bastante diferente do que acontecia antes - o Conde D. Henrique terá conquistado (1093) e perdido Lisboa, logo de seguida (1095).

Quanto à hipótese de incursão naval, parece-me fazer ainda sentido, como referia João Ribeiro, pelo menos como apoio no caso de assegurar a retirada, caso se vissem cercados em territórios alentejanos, e perante uma derrota em Ourique. Não era a mesma situação do fossado de D. Sancho I a Sevilha, onde havia uma continuidade territorial próxima. No caso de cerco, o regresso a Coimbra seria praticamente impossível.
A isto acresce a história do resgate do corpo de S. Vicente, que é colocado como intenção de D. Afonso Henriques logo que soube do assunto em Ourique, conforme relata Duarte Galvão. E aí se declara que não o tendo logo resgatado, manifestara intenção de o levar para depositar em Lisboa, quando esta fosse conquistada. Esse episódio do transporte foi reconhecidamente efectuado por via marítima, conforme atesta o símbolo do brazão lisboeta. 

Assim, de uma ou de outra forma, no tempo de D. Afonso Henriques é suposto que as naus portuguesas tenham feito pelo menos uma incursão algarvia, para resgatar o culto de S.Vicente, num local que era antes reportado ao culto de Hércules... e talvez, antes disso, a outro vicente.

_________________
Aditamentos
(i) Finalmente, não deixamos de notar que associar o nome do Emir de Badajoz, Ismar ou Esmar, a uma variante de Ismael, sendo possível, não deixa de ser estranha por falta de registo espanhol ou outro, para o mesmo personagem... e ao ler caligrafia antiga, não há grande diferença entre quem "diz mar" e quem "d'ismar" fala.
(ii) A Ermida de S. Pedro das Cabeças, onde se terá realizado a batalha, parece-me fechada ao público. 

9 comentários:

  1. Boa tarde,

    À primeira vista parece realmente um braço mas poderá não ser, até porque os dedos levantam dúvidas. Agora, eu sabia que muitos erros se cometeram no pós 25 De Abril mas chegar a esse cúmulo de estupidez é simplesmente horrível!

    Como não poderia deixar de ser, aqui deixo o link dos Horizontes da Memória acerca do assunto de D. Afonso Henriques, filho de Henrique e/ou D. Afonso "Ouriques" de certo modo filho de Ourique. Uma pequena brincadeira em modo de trocadilho.

    https://www.youtube.com/watch?v=JPjZoYWIwr0&index=57&list=PLer3Nin8AJE8rEgZ43YNkvSPwq37QMd7L

    Abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim, pode acontecer ainda que a semelhança com "braços amassando o barro" seja apenas resultado numa perspectiva, e vendo a formação rochosa de outro ângulo não se pareça com nada de especial... e daí ser notada por poucos, mesmo passando pelo local. De qualquer forma, dependendo ainda das dimensões (não sei se é "colossal"...), pareceria ter tudo para ser uma atracção natural da Serra... fosse o local conhecido. Para mim já é suficientemente invulgar ter um bloco rochoso quebrado com aquele aspecto, sem estar a contar se tem um dedo a mais ou a menos.

      Curioso é que J. Hermano Saraiva mostra as duas igrejas de Castro Verde, e fica à porta, sem mostrar nada da Ermida de S. Pedro das Cabeças; a tal que foi mandada construir por D. Sebastião, e que parece completamente fechada... é, parece-me, muito bizarro.

      Abraço.

      Eliminar
    2. Olá,

      Sim também gostaria de visitar o dito "braço", pena não o tornarem acessível a toda a gente, se for realmente como o pintam ser. Compreenderia essa discrição apenas por motivos ecológicos mas não penso ser o caso....

      Enviei email à Junta de Freguesia e Câmara de Castro Verde a perguntar se é possível visitar a dita ermida. Já agora vejamos o que dizem. Perguntar não ofende.

      Ab

      Eliminar
    3. Já agora uma pequena correcção não vá o autor passar por estes lados. É José Rabaça Gaspar e não João Rabaça Gaspar.

      Ab

      Eliminar
    4. Tem razão, já corrigi o nome.
      Quanto à sua iniciativa de procurar visitar a Ermida, óptimo! Se tiver sorte e conseguir entrar lá, não se esqueça depois de partilhar connosco as fotografias.
      Obrigado, e um abraço!

      Eliminar
    5. Olá,

      Entretanto responderam-me.

      "vimos por este meio informar Vossa Excelência que a visita à Ermida de S. Pedro das Cabeças tem que ser “combinada” com a Paróquia de Castro Verde, entidade proprietária do edifício. Assim, aconselhamo-lo a contactar o senhor Ricardo Colaço"

      Quando tiver a oportunidade, lá irei.

      Ab

      Eliminar
    6. Caro João,
      não me parece que vá ser fácil, sem prova de grande devoção.
      Se conseguir, não se esqueça depois de enviar as fotos... a menos que não possa fotografar - pode acontecer.
      A questão é - por que é que Hermano Saraiva ficou à porta?

      Nas minhas mais sarcásticas suspeitas, estou a ver os senhores da paróquia a colocarem por estes dias tapumes e tectos falsos, em tudo o que é sítio.

      Mas já o facto de ter pedido e conseguido resposta, é algo que a maioria de nós nem se dá ao trabalho, e só por isso tem mérito, meu caro!

      Abraço, e boa sorte!

      Eliminar
  2. Aqui vai disto para quem estiver interessado:

    Cornos do Diabo, Serra da Estrela:
    http://pt.wikiloc.com/wikiloc/imgServer.do?id=1871260

    Cabeça do Velho, Pinhel:
    http://kliqueseolhares.blogspot.pt/2010_01_01_archive.html

    Cabeça do Negro (mais parece um alien, Serra da Estrela:
    https://www.geocaching.com/geocache/GC1YNK8_cabeca-do-negro-caras-de-pedra?guid=f37e3bbd-a82e-409e-82ba-1d59fb24d6a4

    Cabeça da Velha, Sortelha:
    https://www.geocaching.com/geocache/GC2BGVW_cabeca-da-velha-sortelha?guid=4163f803-2338-454c-8ff6-409caa3468ae

    Cabeça da Velha (e outros tantos, Serra da Estrela:
    http://www.prof2000.pt/users/avcultur/postais/serraestrelapobr01.htm

    Cabeça do Velho, Serra da Estrela:
    https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cabe%C3%A7a_do_Velho_-_Serra_da_Estrela.jpg

    Cabeça do Faraó e do Velho, Serra da Estrela,(clicando nas fotos, aumentam.)
    http://autocaravanista.blogspot.pt/2010/10/cabeca-do-velho-e-farao-serra-da.html

    Ab

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado.
      Talvez use algumas dessas imagens num postal sobre a "geografia nacional" segundo os nossos cronistas antigos.

      Abraço.

      Eliminar